Em 2016, 47,6% das negociações resultaram em reajuste abaixo da inflação ante 26% em 2015. Com desaceleração da inflação, expectativa é de melhora discreta em 2017.
O ano
de 2016 foi o pior dos últimos 9 anos para os reajustes salariais,
segundo o Salariômeto, projeto da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (Fipe), a partir de dados do Ministério do Trabalho. Em meio à
recessão e ao aumento do desemprego, quase metade (47,6%) das mais de
19 mil negociações salariais das diversas categorias de trabalhadores
resultaram em reajustes abaixo da inflação, o maior percentual anual já
registrado pelo levantamento, que tem início em 2008.
Trata-se de uma reversão de uma tendência que vinha nos anos em que a
economia brasileira ia bem e o país tinha pleno emprego. Até 2014, a
grande maioria das categorias conseguia aumentos salariais acima da
inflação. Em 2014, quando o pais ainda vivia uma situação de quase pleno
emprego, apenas 4,3% das categorias fecharam aumentos abaixo da
inflação, segundo a pesquisa da Fipe.
O percentual de reajustes salariais abaixo da inflação no mercado
formal em 2016 foi quase o dobro do registrado em 2015, quando 26% das
negociações resultaram em aumentos de salários abaixo da inflação medida
pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) – indicador usado
como principal referência para aos reajustes salariais.
Menos de um terço (29,9%) das negociações fechadas no ano passado
ficaram acima do INPC, ou seja, garantiram aumento real, e 22,5% ficaram
iguais, repondo a inflação acumulada em 12 meses até a data-base de
cada categoria. Veja gráfico abaixo
Segundo o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), Clemente Ganz Lúcio, o
desempenho das negociações salariais retornou para patamares do começo
dos anos 2000. Pela série do Dieese, que utiliza outra metodologia e
ainda não fechou o balanço de 2016, o pior ano foi 2003, quando 58,4%
das negociações salariais não tiveram reposição integral da inflação.
Perspectivas para 2017
Para o economista e coordenador do Salariômetro, Hélio Zylberstajn, ainda que a atual desaceleração da inflação
e a esperada recuperação da atividade econômica possam dar algum alívio
em 2017, as expectativas são de melhora apenas discreta nas negociações
salariais.
"Vai ser uma recuperação muito lenta, então o poder de barganha dos
trabalhadores vai continuar muito debilitado. Eu diria que o ano de 2017
não deve ser tão ruim como 2016 nas negociações coletivas, mas não vão
ser uma maravilha uma vez que o mercado de trabalho ainda está muito
fraco", afirma.
A taxa de desemprego alcançou 12% do 4º trimestre de 2016 – marca
recorde na série histórica iniciada em 2012. No ano passado, o Brasil perdeu mais 1,32 milhão de empregos formais (em 2015, já tinham sido eliminados 1,54 milhão de empregos com carteira assinada).
Atualmente, são 12,3 milhões de brasileiros desempregados.
Na visão dos analistas de mercado, a taxa de desemprego ainda deverá
subir mais antes de começar a cair, se estabilizando apenas a partir do
3º trimestre do ano.
"Apesar da expectativa de retomada da atividade, o mercado de trabalho
continuará fraco, dado que reage de forma defasada. Ou seja, o cenário
continua não propício para renegociações ao trabalhador, dada a elevada
ociosidade do fator trabalho na economia", avalia o economista Luiz
Fernando Castelli, da consultoria GO Associados.
Na visão dos analistas de mercado, a tendência é que grande parte dos
reajustes salariais fique novamente abaixo ou, no máximo, igual a
inflação acumulada em 12 meses.
“É difícil pensar numa rápida reversão dessa trajetória negativa diante
de um mercado de trabalho ainda em deterioração", afirma Thiago Xavier,
analista da consultoria Tendências. “A gente ainda vê uma grande
ociosidade do mercado de trabalho, a taxa de desocupação está no maior
nível já registrado, e isso diminui o poder de negociação dos
trabalhadores”.
Negociações por categorias
No ano passado, até mesmo categorias com sindicatos fortes e com
histórico de correção salarial acima da inflação não conseguiram repor a
inflação. No caso dos bancários, após uma greve de 31 dias, eles aceitaram em outubro a proposta de reajuste de 8%. Em 12 meses até outubro, o INPC alcançou 8,5%.
Já a negociação dos petroleiros virou o ano sem acordo e foi finalizada somente em janeiro. A categoria aceitou um reajuste de 8,57%, retroativos a setembro de 2016. No acumulado em 12 meses até setembro, a inflação medida pelo INPC ficou em 9,15%.
Dos 51 ramos de atividade monitorados pelo Salariômetro, em apenas 13 a
mediana dos reajustes salariais não ficou abaixo da inflação. Entre as
poucas categorias em que a maioria das negociações resultaram em ganho
real em 2016 estão os bancos e serviços financeiros, confecções e
vestuário, e cemitérios e agências funerárias. Veja quadro abaixo
"As empresas não têm muita margem para oferecer, os trabalhadores sabem
que eles também não têm muita alternativa, então é um momento muito
crítico e dramático", avalia o diretor técnico do Dieese. "No atual
cenário, com recessão e aumento do desemprego e fechamento de empresas, a
pressão por assinar um acordo abaixo daquilo que normalmente se
aceitaria aumenta muito".
O piso mediano negociado em 2016 nos acordos e convenções coletivas
ficou em R$ 1.062, valor 21% maior que o salário mínimo vigente no ano
passado, segundo a pesquisa. O maior piso salarial médio foi registrado
no Paraná (R$ 1.179), seguido por São Paulo (R$ 1.170) e Santa Catarina
(R$ 1.153). Os mais baixos foram apurados no Rio Grande do Norte (R$
906) e Acre (R$ 920).
Segundo Lúcio, reposições de vagas via contratações pelo valor do piso
são um dos principais mecanismos de redução de custo. "No mercado de
trabalho brasileiro, o ajuste estrutural se dá pelo emprego e pela
rotatividade, diferente de outras economias no qual as negociações são
muito mais centralizadas e há também uma certa garantia de emprego.
Então, a tendência é todo mundo ser contratado pelo piso da categoria",
explica.
Redução de jornada e de salário
Ainda segundo o Salariômetro, em 2016 foram registrados 353 acordos de
redução de jornada e de salário, dos quais 118 (33,4%) utilizaram o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), criado pelo Governo Federal, para socorrer empresas e evitar demissões. Em 2015, foram 284 acordos com redução, sendo que 48 (16,9%) usaram PPE.
Nas empresas que aderem ao PPE, o trabalhador tem a jornada e o salário
reduzidos em 30%. Entretanto, o governo paga um complemento, que
corresponde à metade da perda salarial do empregado. Na prática,
portanto, o trabalhador tem o salário reduzido em 15%.
Até mesmo o salário mínimo ficou sem ganho real pela primeira vez desde 2003.
Em 1º de janeiro, o mínimo foi reajustado em 6,48%, e passou de R$ 880
para R$ 937. Considerando a variação de 6,58% do INPC em 2016, houve
perda de 0,1% no ano. Caso o índice tivesse sido aplicado integralmente,
o valor teria ficado em R$ 938, segundo o Dieese. Desde 2003,
entretanto, o salário mínimo acumulou um ganho real de 77,01%,
favorecido por uma política de valorização do piso nacional que garante,
além do repasse da inflação, aumento real pela variação do PIB.
Renda e massa salarial em queda
Segundo o Dieese, na média anual de 2016, o rendimento médio do
trabalhador com carteira assinada do setor privado caiu 2,3%, de de R$
2.076 para R$ 2.029. Já a massa de rendimentos teve queda de 3,5%, de R$
185,3 bilhões para R$ 178,8 bilhões. Ou seja, caiu também o montante
potencial de consumo das famílias.
Para a consultoria Tendências, a renda média deve ficar praticamente
estável em 2017, mas a massa salarial deve registrar mais um ano de
queda, em razão da elevada taxa de desocupação.
"Na nossa avaliação, a taxa média de desemprego para 2017 será na casa
de 13%", diz Xavier, lembrando que muitas das pessoas que hoje estão no
desalento (inativas e sem procurar emprego, portanto fora da conta dos
desempregados) pode ser estimulada a voltar a procurar trabalho, o que
tende a manter a taxa de desocupação em patamar elevado mesmo em cenário
de volta de criação de vagas de trabalho.
"Muito mais grave do que o arrocho salarial é o desemprego. E a
dimensão do desemprego é o que puxa a restrição para a reposição
salarial", afirma o diretor técnico do Dieese.
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